quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Filicídio: avesso do parricídio

Vera Pollo
participação no debate no Espaço SESC após a peça

Gostaria de agradecer o convite de Quinet de participar do debate e manifestar minha satisfação de estar neste debate com Teresa nazar e Glória Sadala. Vou tentar me ater brevemente às contribuições de Freud e Lacan sobre a tragédia.
O complexo de Édipo sem o trágico
Qual a diferença entre o trágico grego e o nosso trágico? Podemos encontrar uma resposta no Seminário 17 de Lacan, no qual ele faz uma releitura do Édipo freudiano. Ele diz aproximadamente o seguinte: uma coisa é o mito do Sófocles e outra é o Édipo freudiano, porque o Édipo freudiano é o mito de Sófocles sem o trágico. E há, ainda, um terceiro ponto que é, nesse momento, a re-interpretação que é feita pelo texto de Quinet. Nosso mito do Édipo é o “complexo de Édipo”, como Freud o chamou, e que ele já é o mito sem o elemento trágico grego, que seria o resultado da predominância dos valores coletivos sobre o desejo individual. Aqui, não se trata de passar do desejo ao ato, porque o nosso complexo de Édipo são as nossas fantasias incestuosas, nossos impulsos incestuosos, nossas tentações- eles não são o ato trágico, que leva necessariamente à morte.
Édipo no Xingu
Nesta versão tribal do Édipo da peça do Quinet, é impressionante como as máscaras do Xingu se adaptaram perfeitamente aos personagens gregos. Durante a apresentação, eu cheguei a comentar isso com a Ana Carolina Lobianco: o quanto um feiticeiro do Xingu pode passar por um feiticeiro da Grécia. É impressionante! A Esfinge também...

Além disso, dois elementos chamaram muito a minha atenção.
O estrangeiro
O primeiro é a questão do estrangeiro. Qual é o lugar do estrangeiro? Será que o trágico não está para nós justamente na descoberta de que o estrangeiro é também o mais íntimo? Édipo é um estrangeiro, ele mesmo se afirma nestes termos, porque ele saiu do ventre de uma tebana, mas não pode ser reconhecido como tal. Onde quer que ele esteja, será sempre um estrangeiro. Esse é um tema trágico presente na experiência psicanalítica e que, hoje, foi posto em cena.
O filicídio: avesso do parricídio
Um segundo elemento é o crime do filicídio como o avesso do parricídio. Parece-me um tema de uma contemporaneidade muito grande.
Podemos ver como a estrutura é, de fato, transcultural e atemporal. A bem da verdade, para nós, o tema do filicídio é um acréscimo de Lacan à teoria freudiana. Como se Lacan estivesse dizendo a Freud:
“Mas... escuta, você criou o mito do parricídio, você criou Totem e tabu, não é pouco não, porém vamos ao Antigo Testamento. Será que o filicídio não é o avesso do parricídio? Será que sua intenção é apagar o filicídio com o parricídio? Será que o parricídio apaga o filicídio?”
Isso, a meu ver, é de uma contemporaneidade atroz. Por exemplo, nos últimos dias, está voltando na nossa mídia, o assassinato da Isabela Nardoni, que foi morta pelo pai e pela madrasta. Não sei se seria uma boa tragédia para Aristóteles, mas há coisas que não vamos saber nunca.
A virada
Lembro-me de ter lido nele que uma boa tragédia depende, entre outras coisas, de um número certo de metáforas. E depende também de uma virada, uma reviravolta no enredo, da felicidade à infelicidade, independentemente do caráter do herói. É preciso que tudo mude muito, e de repente. Eis o característico da tragédia para Aristóteles.

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