terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Freud e o gozo da tragédia


A representação teatral, segundo Freud, não poupa ao espectador de uma tragédia “as impressões mais dolorosas que no entanto podem levá-lo a um alto grau de gozo”[1]. O termo aqui empregado por Freud não é Lust (prazer) nem Befredrigung (satisfação) e sim Genuss, que podemos traduzir por gozo.

O gozo do espectador da arte da tragédia é um dos exemplos que Freud avança ao propor um gozo para-além do prazer, um gozo que conjuga prazer e dor, onde Eros se conjuga com a pulsão de morte. No entanto, diferente dos casos em que prepondera o sofrimento (o sintoma), a destruição (a guerra) e a mortificação do sujeito (o masoquismo), na representação teatral há uma superação da dor e a valência do gozo se positiva trazendo ao espectador um mais de prazer.

Esse gozo é um prazer para-além do "princípio do prazer" pois não obedece ao limite entre prazer e desprazer. O gozo artístico, presente nas tragédias, é uma transformação, ou até mesmo uma superação da dor que, no entanto, não a elimina totalmente.

Essa superação se encontra também presente no caso das crianças que pedem que contem para elas estórias de terror.

O Jogo do Fort-Da

Freud dá como exemplo desse tipo de gozo na brincadeia infantil, que ficou conhecida como o "jogo do fort-da", no qual uma criança em seu berço lança para fora dele um carretel amarrado num barbante ao som de "ooooo" querendo dizer FORT (longe) e em seguida puxa para si o carretel de volta gritando "aaaaaa", ou seja, DA (perto). Na repetição desse jogo, a criança extrai um gozo para-além do princípio do prazer.

A representação da perda

Para Freud, com essa brincadeira, a criança está representando - no sentido mesmo de representação teatral - o afastamento e a reaproximação da mãe. Esse ato é designado por Freud pelo termo Spiel, que, como to play em inglês, significa jogo, brincadeira e também representação teatral. E ela pode repetir essa brincadeira inúmeras vezes. É uma forma de encenação da dor da perda da mãe e do júbilo de sua volta. É também uma forma de elaborar a perda através do jogo dramático. Nele, à dor do abandono pelo Outro do amor, ao sofrimento pela traição do Outro do desejo contidos no Fort (Cadê?) sobrevém o júbilo afirmativo do Da (Achou!).

O jogo do luto: a tragédia
O júbilo é o efeito detectado por Freud da representação do jogo do fort-da que é um efeito de gozo. Na tragédia, à compaixão e o terror, soma-se o esse júbilo próprio à arte, ou, em outros termos, o entusiasmo. Vale lembrar que um dos termos para designar tragédia em alemão é Trauerspiel, que significa literalmente O jogo do luto. Eis o paradigma do fazer artístico: a transformação do gozo do sofrimento em criação através de uma representação teatral. O jogo do fort-da tem o mesmo fundamento que encontramos na definição que Aristótels propõe para a tragédia: "é a representação (mimesis) de uma ação importante".

Obs: as fotos aqui postadas são do espetáculo Les Atrides, encenado pelo Théatre du Soleil (Paris). Em destaque a a triz brasileira Juliana Carneiro da Cunha.
[1] Freud, Para além do princípio do prazer, v. XVIII, p. 17.

Nenhum comentário:

Postar um comentário