quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Catarse e desejo

O espectador de Édipo Rei

A tragédia, segundo Aristóteles, é a mímesis (representação ou imitação segundo diferentes tradutores) de uma ação importante e completa, de certa extensão; num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas, segundo as partes; ação apresentada e não com a ajuda de uma narrativa mas por atores,, e que suscitando a compaixão e o terror tem por efeito obter a catarse dessas emoções.[1]



Geralmente, a "catarse'", é entendida como "purgação" - uma eliminação, dentro de uma terminologia médica. Porém, a tragédia ao suscita e faz a "catarse" da compaixão e do terror. Será que ela nos livra desses sentimentos, ou ao contrário, nos faz experimentá-los de tal forma que conseguimos lidar com eles através da arte?

Não podemos entender catarse no sentido de eliminação pois não se trata de eliminar o terror e a compaixão como se elimina a excreta na urina. Ao desmedicalizar o termo catarse descobrimos seu verdadeiro sentido: a tragédia purifica esses afetos e deliberadamente deixa-os evidentes, claros, puros.

A tragédia radicaliza: ela visa salientar o sofrimento do espectador, ela quer que ele o sinta puramente, delineadamente.



A identificação do espectador
O espectador sente, por um lado, a compaixão, a pena do herói e do que está acontecendo com ele através da simpatia (ter o mesmo phatos) e, por outro lado, horror através da identificação com aquilo que pode acontecer com ele.
O espectador sent horror, ao se colocar no lugar do herói da tragédia. E sente pena, ao se distanciar dessa posição, porém não sem negá-la.

É a partir dessa identificação através do horror com o herói da peça de Sófocles que Freud estabelece o complexo de Édipo. Segundo ele, o espectador se identifica através do desejo. Ele identifica no herói tanto o desejo de matar o pai quanto o de fazer sexo com a mãe. Eis o que provoca o efieto trágico da tragédia de Sófocles no espectador.




Não é só o horror e sim sua superação: a identificação do espectador com o herói se dá pelo desejo inconsciente. O prazer advém do gozo obtido por satisfazer o desejo proibido que se expressa na arte trágica de Sófocles. É o gozo cujo conteúdo mítico tem dupla vertente: a vertente sexual (dormir com a mãe) e a vertente assassina (matar o pai). Na tragédia de Édipo Rei, o espectador pode gozar sentado em sua cadeira na platéia realizando através do herói aquilo que lhe é impossível. É a catarse dos desejos inconscientes.

Édipo Rei é o Inconsciente em Cena.

Freud não extrai o complexo de Édipo do mito de Édipo e sim da tragédia de Sófocles e do efeito trágico provocado no espectador.





[1] Aristóteles, Arte retórica e Arte Poética, “Capítulo VI” (de Arte Poética); da tragédia de suas diferentes partes”, Edioro, p. 248, sem data.
[2] Freud. Totem e tabu, v. XIII, 1974, p. 185.

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