sábado, 24 de janeiro de 2009

O céu está vazio

Óidipous, O-sem-Deus


O trágico é a passagem
do acasalamento homem-deus
para
a separação ilimitada entre eles.
Eis o que nos indica Hölderlin em suas “Observações sobre Édipo” (JZE, 2008).

Óidipous, filho de Laios traz à cena Óidipous atheos, sem a proteção divina, abandonado à sorte (tykhe). Óidipous é O-sem-deus: atheos. O céu está vazio.


Atheos

Deus é inoperante e infiel e o homem se afasta dele como um traidor/traído.

“Em meio à peste e à confusão de sentidos”, homem e deus são infiéis um ao outro. Óidipous não conta com deus algum e realiza um “afastamento categórico”. Pois ele se depara com a Gottes Fehl , a Falta de Deus. Trata-se da escolha forçada do sujeito de se afastar do Outro divino. Zeus virou-lhe as costas.

A voz de Zeus se calou.
O oráculo de Laois não vingou.
Apagou-se a glória apolínea.
O divino declinou.
(Coro – Estásimo II)


O trágico de Sófocles é “a ausência ou o afastamento dos deuses, que não mais assistem ou previnem os mortais” (Françoise Dastur, Reflexões, Relume Dumará, 1994, p. 183).

Assim , Óidipous Tyrannos de Sófocles é a uma tragédia moderna, pois comemora o dclínio dos deuses, o desvanecimento do Outro encarnado em um ser divino e mítico, entregando para o homem a responsabilidades de suas escolhas.

“Édipo rei é a tragédia da retirada categórica do deus à qual corresponde, da parte do homem, uma retirada equivalente que o conduz ao terrestre”. (Françoise Dastur, op.cit. p. 187).


Óidipous, filho de Laios traz à cena o encontro com a inconsistência do Outro com a qual o sujeito se depara numa psicanálise. Na tragédia, a “unificação ilimitada (com o Outro divinizado) se purifica (se transforma catarticamente) por meio de uma separação ilimitada”, diz Hölderlin (op.cit.). É a passagem da alienação à separação do Outro. (Lacan, sem. XI).

Essa passagem não é feita sem dor. Ela é trágica.


Deparar-se com a falta de um Outro protetor, acalentador, amoroso, apaziguador (e divino!) é sempre causa de angústia.
É ao meio de uma tragédia, no desespero, que invocamos o Nome-de-Zeus. E, na falta dele, aquele que pode ocupar esse lugar - que é o lugar do Pai.

Não há mais deuses.
A natureza se calou.
O céu está vazio.
Onde está quem nos salvou?
(Coro no Párodos)



E saber que não há Deus-pai isso é ruim?
Ora, o Outro é sempre um traidor, pois é falho, incompleto e inconsistente.
O Outro falta, como diz Lacan.
l’Autre manque.
Saber da falta do Outro, faz o sujeito se deparar com as próprias faltas e se responsabilizar por suas escolhas, seus atos e seus desejos. E não ficar mais acusando o Outro
e nem esperando dele a salvação.
O Outro é manco.

“A infidelidade divina é o que há de melhor para lembrar” (Hölderlin).
Que alívio!


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